As Forças Armadas do Brasil reduziram de R$15 milhões mensais para R$300 mil os lucros do tráfico de drogas no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, desde o início da ocupação. Esse prejuízo tem acarretado grande apreensão nas lideranças das três principais facções do crime organizado carioca.
Em fevereiro um olheiro ganhava R$700 semanais, atualmente mal recebem. Apesar disso, a situação está muito longe de ser resolvida e não é por culpa dos militares. A maioria da sociedade crê que o crime organizado nas favelas seja materializado por traficantes portadores de fuzil que vendem drogas. Isso é apenas a ponta do iceberg que oculta milhares de pessoas desarmadas vivendo da renda direta ou indireta dos entorpecentes nas comunidades.
Por isso é essencial que antes de uma ocupação militar desse porte o Estado entenda o impacto econômico que a asfixia do tráfico irá causar e ofereça alternativa às pessoas. Isso não foi realizado no Complexo do Alemão e, com a saída das Forças Armadas, a situação retornou a níveis críticos, comprometendo a credibilidade do processo.
Os moradores da Maré observaram isso e sabem que a permanência das Forças Armadas é passageira; reforçando essa posição, um líder comunitário que apoiou ostensivamente as tropas da Maré não teve sua segurança garantida e foi assassinado no final de 2014.
A ocupação da Maré tem apresentado características bem diferentes das experiências do Alemão e do Haiti, interferindo bastante na interação dos militares com a população e com as facções criminosas.
No Alemão havia apenas uma facção criminosa, a invasão foi inesperada e não permitiu aos criminosos armados se evadirem levando os estoques de drogas e de armas. Entretanto, as outras estruturas do narcotráfico permaneceram para viabilizar o funcionamento após a saída do Exército.
Na Maré, observamos a milícia e mais três facções rivais do crime organizado que não abandonaram a área para não abrir mão do território, uma vez que as Forças Armadas não permanecerão lá eternamente. Duas dessas facções estão desde 2009 em uma violenta disputa de território.
Foi determinante para o sucesso no Alemão a captura da enorme quantidade de armas e drogas logo no início da operação. Isso foi viabilizado devido aos mandados de busca e apreensão coletivos associados a um disque-denúncia.
No Haiti, o BRABATT (Brazilian Battalion) controla a situação porque tem “carta branca” para verificar todas as casas e abater qualquer pessoa que esteja portando armas de fogo ostensivamente. Operacionalmente, esta é a única forma de garantir à tropa o mesmo grau de liberdade que o crime organizado tem de entrar em todas as casas, o que fazem pelo terror.
A decisão política de não conceder essas mesmas prerrogativa à tropa na Maré tem causado um desgaste desnecessário aos militares e comprometido o cumprimento da missão. Como resultado das restritivas regras de engajamento dos militares, entorpecentes são vendidos e consumidos no interior das casas, menores aliciados atiram pedras na tropa e traficantes passaram a ocupar lajes, de onde fazem emboscadas aos militares após as operações que levam a prisões, apreensões de armas e de drogas.
Tiroteios diários chegam a levar horas e já atingiram quatro militares, um deles fatalmente. Uma guerra assimétrica dentro do próprio quintal. Todos sabem que a ocupação da Maré pelos militares ocorreu devido à Copa e, se depender dos políticos, irá se prorrogar até as Olimpíadas. Assim como no Alemão (que durou 520 dias) também disseram que seria por curto espaço de tempo, mas já se percebe que não é a realidade.
Poderíamos levantar inúmeras observações sobre as operações militares, mas a verdade é que a solução do problema encontra-se no nível político. A sociedade precisa entender que as Forças Armadas têm que ser empregadas para decidir, pois são os últimos recursos a serem empregados.
Por isso mesmo não podem prosseguir atuando sob os mesmos protocolos legais que regem as forças policiais. É um engodo semelhante a usar a mesma fórmula ineficiente para um remédio, apenas com embalagem diferente, esperando resolver o problema. A regra de engajamento precisa ser reescrita se quiserem buscar eficiência nas operações e preservar as Forças Armadas.
Nota: O Autor é Coronel R/1 Forças Especiais do Exército Brasileiro , e foi comandante da Força-Tarefa Sampaio na ocupação e pacificação dos complexos do Alemão e da Penha em 2011.