Operacional – O senhor participou do 1º contingente enviado para o Haiti. Este foi o momento mais desafiador de sua carreira?
Gen Sardenberg – Não, eu diria que foi um dos mais desafiadores, mas, eu tive outros também como, por exemplo, comando de unidade pára-quedista durante cerca de 3 anos. É uma vida com uma dinâmica bastante forte em termos de aventuras. Não foi o mais desafiador não.
Operacional – Que experiências o Exército e o senhor trazem do Haiti e que são úteis nas missões no Complexo do Alemão?
Gen Sardenberg – Eu diria que a maior experiência é aquele fruto, primeiro, do preparo que toda tropa que vai para o Haiti é submetida. Este preparo é orientado basicamente para atuação em localidades. Depois a experiência de mais seis meses de emprego no Haiti. Todo este bojo de preparo e emprego embasam uma experiência muito importante para operações deste tipo que estamos fazendo aqui.
Operacional – É possível fazer uma comparação entre Bel Air e Citè Soleil e o “nosso” Complexo do Alemão?
Gen Sardenberg – Citè Soleil é uma favela plana. É uma favela bastante problemática, mas plana. Bel Air tem em termos do relevo uma certa semelhança, mas não da para comparar. São realidades distintas. Ali é a ausência total do poder público que deu origem a formação das gangues e aqui há toda uma série de circunstâncias que levaram ao que nós tínhamos aqui nos complexos do Alemão e da Penha.
Operacional – A meia-noite do dia 25 de novembro o senhor recebeua missão de colocar tropas ao lado das forças de segurança para apoiar no cerco do alemão. No dia 26, ao meio-dia, a tropa já estava em ação. Como foram estas horas entre o dia 25 e o dia 26? Podemos dizer que foi uma noite agitada na Brigada?
Gen Sardenberg – Isso é o motivo de maior satisfação nossa nesta missão. Foi a nossa demonstração de capacidade, no tocante a este pequeno espaço de tempo, nós colocarmos 800 homens da Vila Militar aqui no entorno do Complexo do Alemão, debaixo de tiro, em posição. Foram realmente uma noite e uma madrugada bastante agitadas.
Operacional – Em sua opinião, existiu necessidade do Exército participar dessa operação, usando comando desse porte?
Gen Sardenberg – Eu diria que sim, no tocante daquilo que estamos fazendo aqui agora, que é a manutenção das condições de segurança. Esta missão de pacificação que esta sendo feita é desgastante com o efetivo que nós temos, que pode parecer para quem não conheça grande, na verdade é pequeno frente do gigantismo desta região como um todo.
Operacional – Acompanhando os militares da FPAz durante a realização desta matéria, percebi um moral bem elevado da tropa. A que o senhor atribui este estado de espírito da tropa?
Gen Sardenberg – O pára-quedista é, com toda pretensão que eu tenho direito, uma tropa de elite do exército brasileiro. A garotada é bastante selecionada antesde entrar para a tropa pára-quedista, nosso preparo é bastante intenso e voltado para o cumprimento de missão que é o que estamos fazendo aqui. Eles gostam do que estão fazendo.
Operacional – Quais têm sido as principais dificuldades enfrentadas pela Força de Pacificação no desempenho desta missão de manutenção da paz?
Gen Sardenberg – A maior dificuldade que nos temos no bojo da missãoé o sentimento do efetivo reconhecimento das comunidades no tocante a nossa participação. Isso ai nós já temos bem explicitado pelas lideranças comunitárias, lideranças religiosas e por algumas pessoas mais antigas, mas pelo povo em geral, em alguns locais, nós ainda não temos, e é o que nós estamos perseguindo.
Operacional – Os equipamentos (armamentos, comunicações e viaturas) empregados pelo Exército na Força de Pacificação têm respondido bem no desempenho da missão?
Gen Sardenberg – Embora não sejam os ideais, a nossa vocação é outra, nossa vocação é o combate, é a defesa da nação, com o critério que nós temos usado, com ouso das regras de engajamento e com a adaptação e aquisição de outros tipos de equipamentos não letais, a missão tem sido cumprida a contento.
Operacional – Embora o Para-FAL seja uma arma de uso característico do militar Pára-quedista, foi realizado alguma estudo visando equipar a tropa com armamento calibre 5.56mm, de menor tamanho e alcance útil, teoricamente, mais adequado para este tipo de missão?
Gen Sardenberg – Eu desconheço qualquer tipo de estudo específico, embora eu reconheça que para este tipo de ação o calibre 5.56mm fosse um armamento mais adequado.
Operacional – O senhor poderia traçar uma evolução no modus operandi da FPaz nos Complexos do Alemão e da Penha desde o início das operações?
Gen Sardenberg – Nós aprendemos fazendo aqui bastante coisa. Desde o início nós enfatizamos a nossa orientação maior que era a recuperação da credibilidade por parte da população no estado e não ações de combate pontuais que causassem vitimas. Então nós temos calcado nosso esforço em cima de ações pontuais, em cima de patrulhamento intensivo, com a orientação maior de evitar baixas, evitar vitimas.
Operacional – Na FPaz, como é a integração do Exército Brasileirocom o Batalhão de Campanha da Polícia Militar e a Polícia Civil?
Gen Sardenberg – Desde o início a integração tem sido ótima, eu diria que nós somos poucos conhecidos no tocante as nossas capacidades. Muito se tem dito sobre o militar do exército ser aquele profissional que combate o inimigo e em cima disso quer causar baixa, o que não seria apropriado. Não é isso. Nessa ligação com a PolíciaMilitar e com a Polícia Civil, que tem tido ótima, temos muito a ensinar e eles tem muito a aprender conosco.
Operacional – A influência negativa de eventuais policiais corruptos sobre seus homens assusta o senhor? Qual medidas o Exército toma para tentar evitar este problema?
Gen Sardenberg – Desde o início houve uma preocupação por parte do Comando do Exército e do comando da Secretária de Segurança Pública do Rio. Tivemos um problema pontual envolvendo um tenente nosso e alguns policiais militares, mas de uma forma geral é um pessoal selecionado e a coisa tem ocorrido a contento sem maiores problemas.
Operacional – O senhor acredita que o trabalho realizado pelas Forças Armadas no Haiti, e hoje, o comando e a participação do Exército na Força de Pacificação possam servir como exemplo e como escola prática, para as demais esferas da segurança pública?
Gen Sardenberg – Certamente. Naquilo que nós estamos fazendo, onde eu desconheço uma força de segurança pública, particularmente do Rio de Janeiro, ter feito anteriormente, no tocante a manutenção de um território por um longo tempo. Você tem que ter capacidade e tem que ter formação para fazer isso. Não é fácil, é desgastante. Envolve além do conhecimento técnico, um esforço muito grande e ações táticas que nós temos conhecimento. Temos interesse em difundir e ajudar em ações futuras da policia militar.
Operacional – Como o senhor analisa as informações vinculadas na mídia não-especializada que alardeia o fato do tráfico ainda estar presente nas comunidades?
Gen Sardenberg – Nós interferimos ha pouco mais de dois meses em umaárea onde residem 400 mil pessoas e existem 22 grande comunidades carentes, algumas delas dominadas integralmente pelo tráfico anteriormente. Nós estamos vivendo um processo, um processo de adaptação dos dois lados, principalmente da população quanto a esta nova realidade. É claro que eu não vou ter a pretensão de, em uma área desta extensão, dizer quea coisa esta totalmente extinta. O que eu afirmo, é que aquela ostensividade com que esta prática ilícita era praticada anteriormente, isso inexiste atualmente. Não temos áreas libertas, nem temos trânsito de elementos armados livremente.
Operacional – O ministro Nelson Jobim defende o emprego do Exército nesse tipo de missão para valorização da força terrestre. O senhor também compartilha desta visão?
Gen Sardenberg – Eu sou orientado em termo de ordem a comentar que esta parte não cabe a mim responder. O meu nível de emprego é tático, isso ai é estratégico, é político e é tratado em nível de Ministério da Defesa e Comando do Exército. A mim cabe cumprir ordens.
Operacional – O senhor acredita que Exército possa vir a ser empregado em outras áreas críticas do Rio de Janeiro?
Gen Sardenberg – Se formos olhar pelo histórico, eu mesmo, é a terceira vez que venho para o Complexo do Alemão em minha carreira. Muitos companheiros que estão comigo aqui nesta ação já tiveram experiências semelhantes não só no Complexo do Alemão como em diversas outras comunidades carentes do Rio de Janeiro. Então, pelo histórico, a coisa nos orienta no sentido que sim. Que no futuro seremos empregados novamentee ainda mais considerando que temos ai pela frente Copa do Mundo, Olimpíadas, etc.
Operacional – Como o senhor analisa a saída da Brigada Pára-quedista e a chegada da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada para atuar na Força de Pacificação.
Gen Sardenberg – Eu considero necessária. Três meses ininterruptos de atuação aqui, e que enfatizo: ininterruptos. Sexta, sábado e domingo, o tempo todo, sem dormir, virando noite. Então, sob o ponto de vista de capacidade, de descanso, é importante. A 9ª Brigada é uma unidade também muito tradicional do nosso exército. Tem um General muito competente e já está em tratativas e legações conosco. Ela terá plena capacidade de prosseguir, até mesmo em situação melhor do que nós, no cumprimento da missão.
Entrevista concedida do jornalista Rafael Sayão em Dezembro de 2010.