No dia 15 de fevereiro de 1630 o nordeste brasileiro começava a viver o pesadelo da invasão dos holandeses da Companhia das Índias Ocidentais. Após 15 anos de um bravo enfrentamento, lutando contra forças superiores, em 23 de maio de 1645 dezoito líderes da Insurreição Pernambucana assinaram um termo onde se destaca o uso, pela primeira vez no Brasil, da palavra pátria, no seu sentido atual. No documento, verdadeiro Compromisso Imortal, há, também, providências que hoje seriam consideradas como mobilização de Reservas:
“Nós abaixo assinados nos conjuramos e prometemos em serviço da liberdade, não faltar a todo o tempo que for necessário, com toda ajuda de fazendas e de pessoas, contra qualquer inimigo, em restauração da nossa pátria; para o que nos obrigamos a manter todo o segredo que nisto convém…”.
Estava criado, segundo o mestre Capistrano de Abreu, o sentimento da existência nacional brasileira, que iria se fortalecer ao longo dos próximos dois séculos até a Independência, em 1822.
Paralelamente, surgia, consolidado, o Exército de Patriotas, formado pela fusão das três etnias – branca, negra e índia – com suas miscigenações. Nascia o Exército Brasileiro, democracia multirracial, sem discriminações nem preconceitos, sem cotas, numa pluralidade étnica e social unida pela alma de combatente do nosso soldado.
Em 18 de abril de 1648, uma força holandesa com 7.400 homens marchou no sentido Barreta-Guararapes, tendo como objetivo final apoderar-se do cabo de Santo Agostinho. O exército patriota, de 2.200 homens, deslocou-se para interceptar o invasor. O sargento-mor Antônio Dias Cardoso, como o “soldado mais prático e experiente” sugeriu que o melhor campo de batalha seria o Boqueirão dos Guararapes. Na manhã de 19 de abril, primeiro domingo após a páscoa (pascoela), dia de Nossa Senhora dos Prazeres, Dias Cardoso, no comando de 200 homens, investiu contra a vanguarda inimiga para, em seguida, retrair em direção ao interior do Boqueirão onde o restante do nosso exército estava escondido, pronto para a batalha. Ao comando de “ás de espadas” os patriotas se lançaram sobre o inimigo. O terço (regimento) de Pernambuco, comandado por João Fernandes Vieira, auxiliado por Dias Cardoso, rompeu o inimigo nos alagados; os índios de Felipe Camarão assaltaram a ala direita dos holandeses; o terço dos negros de Henrique Dias atacou a ala esquerda, ficando as tropas de Vidal de Negreiros em reserva. Os batavos contra-atacaram com suas reservas de 1.200 homens, enquadrando o terço de Henrique Dias. Os patriotas, habilmente, lançaram a reserva de Vidal de Negreiros no momento adequado. Foram 4 horas de confronto, entre alagados e morros. Ao final, o exército holandês, derrotado, retirou-se com pesadas perdas – 1.038 combatentes, entre mortos e feridos.
Menos de um ano depois, em 19 de fevereiro de 1649, patriotas e holandeses enfrentaram-se na segunda e derradeira Batalha dos Guararapes. Novamente derrotados, os batavos fugiram para Recife, ainda sob o seu controle, deixando para trás 927 mortos, 89 feridos e 428 prisioneiros, contra 45 patriotas mortos e 245 aprisionados.
A 14 de janeiro de 1654, o exército patriota atacou o último reduto holandês em Recife. Após 10 dias de combates, a cidade foi reconquistada. No dia 26 de janeiro, na Campina da Taborda, os holandeses assinaram a rendição e retiraram todas as suas forças no Brasil.
Decreto do Presidente da República, de 24 de março de 1994, instituiu o Dia do Exército Brasileiro em 19 de abril, data da primeira Batalha dos Guararapes (1648), quando se uniram, no nascedouro, os conceitos de Pátria e de Exército.
Decorridos 370 anos do sacrifício daqueles bravos que, ao expulsar o invasor holandês, deram origem ao Exército Brasileiro – instituição detentora dos maiores índices de confiabilidade do nosso povo – paira sobre a data um injustificável silêncio. São tempos estranhos, em que as comemorações ficam restritas, praticamente, ao meio militar. A quase totalidade da mídia ignora o acontecimento e os meios educacionais e culturais se omitem, contaminados pela nefasta doutrina do “politicamente correto”.
A história do Exército Brasileiro se confunde com a da Pátria. Os Soldados de Caxias, povo brasileiro em armas, participaram, intensa e decisivamente, dos acontecimentos mais relevantes de nossa jornada como nação. O Exército atual é a mesma Pátria em armas do passado. O soldado de hoje em nada difere dos militares de ontem, eis que seus princípios, valores e atributos são imutáveis. O espírito do Pacificador gera tolerância, paciência, grandeza, compreensão e capacidade de perdoar. Mas, também, firmeza, decisão, energia, coragem, retidão de propósitos, nobreza de ideais, culto à verdade e um inquestionável amor ao Brasil. Ainda hoje, quando vivenciamos um cenário onde maus brasileiros promovem a degradação dos princípios e valores que forjaram a nacionalidade, os herdeiros de Caxias, Tamandaré e Eduardo Gomes são a grande reserva moral e ética que levam milhões de brasileiros às ruas e redes sociais, clamando por seu vigoroso braço forte e fraterna mão amiga. Os soldados brasileiros, de terra, mar e ar, são exemplos de cidadãos e a nação neles reafirma a sua irrefutável confiança. Para muitos, são eles a última esperança de resgatar o nosso país das quadrilhas encarapitadas nos poderes da república. A nação sabe que pode confiar nos seus militares.
Soldado do Brasil! … Presente!
Sérgio Pinto Monteiro é professor, historiador, oficial da reserva do Exército, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, da Academia Brasileira de Defesa, do Instituto Histórico de Petrópolis, presidente do Conselho Deliberativo da Associação Nacional dos Veteranos da FEB, fundador e ex-presidente do Conselho Nacional de Oficiais da Reserva do Exército – CNOR. O artigo não representa, necessariamente, o pensamento das entidades mencionadas.