Por : Alex Alexandre de Mesquita e Alexandre Martins da Fonseca
A partir do ano de 1996 o Exército Brasileiro, face ao hiato tecnológico existente nas tropas blindadas(¹), começou a modernizar a sua frota de blindados, inicialmente com a aquisição das Viatura Blindadas de Combate Carro de Combate Leopard 1A1 e M60 A3 TTS, da Bélgica e dos Estados Unidos da América, respectivamente e posteriormente, com a substituição dos 1A1 pelas VBCCC Leopard 1A5 BR, da empresa alemã Krauss-Maffei Wegmann (KMW).
Embora o Leopard 1A5 seja a versão mais moderna da família de carros de combate Leopard 1, ele é fruto da modernização de uma VBCCC que foi concebida em meados da década de 1960 e, mesmo incorporando alguns equipamentos como telemetria laser, visão termal de primeira geração e sistema de controle de tiro digital, possui algumas defasagens tecnológicas em relação aos Carros de Combate mais atuais.
O contrato de aquisição das VBCCC Leopard 1A5 BR traz em sua cláusula 15ª que o período de vigência do mesmo é de 60 meses, sendo que esse período pode ser prorrogado por igual prazo. Consumando-se essa prorrogação por 60 meses, o contrato findaria em setembro de 2021, juntamente com todo suporte técnico, logístico e o fornecimento de peças para a VBCCC.
Considerando a já desatualização tecnológica da VBCCC face às novidades da indústria bélica mundial e o prazo previsto em contrato, fica claro que o fim do ciclo de vida das VBCCC Leopard 1A5BR no Exército Brasileiro, pelo contrato em vigor, deverá se encerrar até 2021. A contar dos dias de hoje, não há tempo suficiente para desenvolver uma VBCCC nacional, pois se considerando os exemplos dos Main Battle Tanks (MBT²) ocidentais atuais como o M1 Abrams (americano), o Challenger (britânico), o Leclerc (francês) e o Leopard 2 (alemão), veremos que todos os projetos levaram uma média de dez anos entre a concepção, o desenvolvimento, e a entrada em operação.
Cabe ressaltar que todos os países desenvolvedores desses MBT supracitados já possuíam amplo know-how de fabricação de carros de combate, conhecimento que foi perdido no Brasil após a desmobilização da indústria de defesa nacional. Dessa forma, o desenvolvimento de uma VBCCC com tecnologia nacional não se apresenta como uma solução imediata à substituição das VBCCC Leopard 1A5 BR, uma vez que, provavelmente, ocorreria uma espécie de vácuo temporal de pelo menos meia década, entre a obsolescência da frota Leopard 1A5 BR e a entrada em operação de uma VBCCC nacional.
Seguindo essa linha de pensamento, a aquisição de uma VBCCC “pronta” se apresentaria como a solução mais viável e realista à substituição da frota Leopard 1A5 BR, sendo de grande importância o desenvolvimento, de forma paralela, do projeto de uma VBCCC nacional. Alguns dos principais quesitos a serem avaliados para a aquisição da VBCCC substituta do Leopard 1A5 BR seriam o peso, o armamento principal, e os equipamentos optrônicos. Como armamento principal, poderia ser mantido o canhão 105mm(³), contudo deve ser considerado o canhão 120mm, tendo em vista a disponibilidade de MBT no mercado internacional.
Da mesma forma, é adequado seguir as tendências atuais, quanto aos equipamentos optrônicos, tendo por requisito visão termal de terceira geração e um equipamento ótico independente para o comandante do carro de combate. Quanto ao peso, é desejável o menor possível, considerando as limitações do terreno e da capacidade das estradas e obras de arte das vias nacionais, porém, neste aspecto, esbarramos na equação de difícil solução: peso da VBCCC e sua proteção blindada.
Todos os modernos carros de combate ocidentais possuem o peso consideravelmente maior do que as 42,2 toneladas do Leopard 1A5 BR, sendo o Leopard 2 com 62,3 t, o Challenger com 62,5 t, e o M1 Abrams com 61,3 t. Importante ressaltar que é indispensável a que haja um suporte logístico completo. Caso não seja possível a transferência da tecnologia incorporada à VBCCC, o que normalmente não acontece na aquisição de produtos de defesa “prontos”, ao menos a instalação da empresa fornecedora no território nacional, de forma a favorecer o apoio aproximado e constante, condizente com a realidade local do material.
Nesse aspecto, a alemã KMW possui a vantagem de já estar instalada na cidade de Santa Maria-RS. A VBCCC Leopard 2A4(4) , fabricada pela KMW, atende aos aspectos relacionados ao poder de fogo, com seu canhão L44 120mm, e aos equipamentos optrônicos, integrando o equipamento de visão termal do atirador ao periscópio independente PERI-R17 do comandante. O Leopard 2A6 também atende a esses quesitos para uma futura VBCCC, sendo uma versão mais moderna que a 2A4.
Percebe-se que, quanto ao peso, qualquer das VBCCC modernas em operação nos países ocidentais extrapola as 60 toneladas. A substituição da frota Leopard 1A5 BR, em vista do prazo de vigência do contrato com a KMW, é um assunto que merece ser estudado desde já, sob pena da solução de continuidade na evolução da instrução e do adestramento da tropa de carros de combate do Exército Brasileiro. A aquisição das VBCCC Leopard 2 mostrase uma alternativa viável para a substituição imediata da frota Leopard 1A5 BR, pois os requisitos desejáveis ao carro seriam atendidos e o conhecimento já estabelecido entre o Exército Brasileiro e a KMW seria mantido.
Deve-se, no entanto, manter-se o objetivo de conceber e desenvolver uma VBCCC nacional em paralelo à implantação do novo carro de combate, aproveitando-se assim o know-how adquirido nos últimos anos e fortalecendo as parcerias entre Exército, empresas privadas e setores públicos.O Projeto Estratégico Guarani tem demonstrado essa capacidade ao transformar os desenhos de prancheta dos Engenheiros Militares do Exército em um produto real, por meio da participação de empresas estabelecidas nacionalmente.
A equação para solucionar esse impasse não é simples, pois envolve planejamento de longo prazo e recursos vultosos, mas o Projeto Leopard tem gerado conhecimento suficiente para que seja possível continuar a caminhada com um mínimo de certeza de sucesso. Um fato é irrefutável: a tropa blindada brasileira está em um patamar de excelência no que diz respeito à instrução e ao adestramento. Os comandantes em todos os níveis sabem disso e por gerações ansiavam com esse salto. Agora é o momento de aproveitar o êxito e se manter na vanguarda, que possamos realmente dar continuidade ao desenvolvimento da tropa blindada.
AÇO, BOINA PRETA, BRASIL!
Nota da Redação : Matéria de autoria do Ten.-Coronel da Arma de Cavalaria Alex Alexandre de Mesquita, Comandante do Centro de Instrução de Blindados com a colaboração do Capitão da Arma de Cavalaria Alexandre Martins da Fonseca Instrutor desta mesma unidade.
Notas : (1) Na época equipadas com o CC M4; (2) Main Battle Tank: Carro de Combate Principal; (3) O desenvolvimento da VBR 8v8 Guarani prevê um canhão de 105mm. Dessa forma, manter-se-ia o mesmo tipo de munição para ambas as Viaturas Blindadas (VB); (4) MBT do Exército do Chile.