Este jovem senhor que está ao meu lado é uma quase lenda da Cavalaria Hipomóvel. E só não é por completo porque, com a graça de Deus, ainda está entre nós. Os “causos” que ele protagonizou, verdadeiros (a maioria esmagadora) ou não, o habilitam a entrar definitivamente na galeria dos mitos da Arma de Osorio, assim que estiver cavalgando ao lado de outros grandes no infinito dos céus.
Claudio Tavares Araújo é o seu nome. Em 1962, aos 31 anos, quando cheguei Aspirante no Regimento Andrade Neves (RAN) ele já era um experimentado Sargento de Cavalaria, dez anos a mais do que eu. Duvido que haja um só oficial da Arma de Osório que tenha passado pelo saudoso RAN nas décadas em que ele lá esteve, entre 50 e 70, que não tenha sua imagem gravada na memória.
Araújo foi único, e o melhor de todos, ao menos para aqueles que são capazes de enxergar além do que, simplesmente, os olhos podem ver. Meio gago, desajeitado, aparentemente frágil, ele se fazia compreender por seus subordinados como ninguém, se não pela qualidade da dicção, bem mais por gestos, atitudes e exemplos. A falta de jeito para caminhar, sempre com passos muito largos, apressados e exagerados movimentos de braços, não o impediam de ensinar à fração de recrutas que comandava a postura correta, o garbo impecável na instrução de ordem unida e a prática dos sinais de respeito previstos nos regulamentos militares.
Também não foi por ser estabanado que deixou de ser o melhor cavaleiro entre todos os seus pares, embora praticasse uma equitação tão eficiente quanto temerária. Muitos experimentados ginetes viravam o rosto ou fechavam os olhos para não sofrer um infarto enquanto Araújo executava um percurso. Só que raramente deixava de frequentar o podium. E quase sempre levava o prêmio maior.
Cursou a Escola de Equitação do Exército, mas pouco ou nada aprendeu. Voltou como foi. O mesmo desatinado, mas eficiente cavaleiro. Enfrentava a todos, inclusive os grandes mestres da própria Escola, sempre bem montados e treinados.
Lembro que muitos companheiros quando desistiam de seus cavalos, por violentos ou de fraco rendimento, ofereciam-nos ao Araújo. E ele os transformava em craques ou quase isso. Eu mesmo tenho uma experiência com ele. Tive uma égua, Dama da Noite, mal domada, nervosa, e assustada. Saltava muito, mas tomei muitos tombos e não conseguia dominá-la. Uma ocasião, em 1966, ao ser transferido para Ponta Porã, dei-lhe aquele presente de grego. De grego? Em 1967, recebi dele a notícia que ganhara o campeonato do Exército naquele ano. Inacreditável.
Muitas vezes competiu, e ganhou, com animais já aposentados das pistas, seja pela idade ou por uma balda qualquer. Apodi, Arati, Relincho, nascido no Regimento e que só ele conseguia montar, são alguns que se tornaram famosos. Os animais pareciam ter um respeito especial por sua voz quase ininteligível e sua descontração. Não tinha tempo ruim. E mais, nunca o vi castigar uma montada para dela obter resultados. Araújo foi único, também, na relação com os cavalos.
Na instrução, igualmente, dava gosto vê-lo em ação. Sua fração podia não ser a mais organizada segundo nossas convenções, mas era sempre a primeira em tudo. E a mais aguerrida e unida em torno do seu chefe. Grande Araújo!
Pois bem, esse homem, em 1974, 24 de abril mais precisamente, sofreu um sério acidente numa demonstração com explosivos tendo o antebraço amputado e um olho extraído. Acabara de completar 44 anos. Reformou-se, mas seguiu em frente. Até hoje, desde 1976, e agora com 86 anos, é o responsável pela armação dos obstáculos nas pistas da Sociedade Hípica Brasileira (SHB). Ágil como uma criança, faz tudo. É amado por todos. Um exemplo de vida. Vale a pena, ir à SHB num dia desses de concurso hípico para ver o Araújo em ação. Emocionante.
Há poucos anos tive o privilégio de conhecer sua linda família numa justa homenagem que lhe prestaram no Regimento Andrade Neves. Orgulhoso, apresentou-me seu neto, Oficial do Exército, na Arma de Comunicações. Homem de muita fibra o nosso Araújo. Vida longa para ele.
Em tempo: O cavaleiro montado é o brilhante TC Ruy Couto, campeão militar de saltos; o local: a SHB, ao lado da Sede Lagoa do Clube Militar.
O Gen Div Gilberto Rodrigues Pimentel é oicial da arma de Cavalaria do Exército Brasileiro e presidente do Clube Militar / Fotos: Coleção do autor