Quando chegamos à praia do Forte Imbuhy, em Niterói (RJ), 27 militares estavam no mar há mais de 24 horas dentro de um bote circular de quatro metros de diâmetro. Portavam apenas um kit básico de sobrevivência composto de água desmineralizada, jujuba, chiclete e espelho sinalizador. Eles tinham ainda mais 48 horas pela frente ao sabor das ondas antes de voltar à terra firme. Esse exercício de sobrevivência no mar fez parte da quarta fase do Curso SAR, cujo objetivo é a formação de militares para atuar em missões de busca e salvamento.
A equipe da revista “Aerovisão” acompanhou as várias etapas do treinamento do Curso SAR e chegou à conclusão: tornar-se um homem de resgate, ou “resgateiro”, no jargão desses profissionais, não é missão fácil, nem mesmo para um militar bem preparado. São pelo menos três meses de treinamento intenso em ambientes de montanha, selva e mar.
Para se ter ideia do grau de dificuldade do curso, dos 59 inscritos, 37 efetivamente iniciaram as atividades. Os demais foram eliminados nas fases iniciais. Em menos de um mês, dez haviam ficado pelo caminho. Mais um se machucou perto do final e não se formou. Dos 59 do início, apenas 26 conseguiram finalmente receber o almejado boné laranja, símbolo da atividade de busca e salvamento, na formatura realizada na Base Aérea de Campo Grande (MS), onde está sediado o Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento (EAS), que coordena a realização do curso.
“O curso é voltado para resgatar o militar em situações de combate, mas também tem a finalidade de preparar o “resgateiro” para atuar durante o tempo de paz em operações de busca e salvamento, por exemplo, em acidentes aeronáuticos e em missões de ajuda humanitária”, explica o Major de Infantaria Cláudio Antunes, coordenador do Curso SAR 2014.
O curso teve início com o nivelamento técnico e físico dos militares. Na segunda fase, os alunos participaram de um módulo em Itatiaia, na região serrana do Rio de Janeiro. Rapel, marchas e tirolesa foram as atividades desenvolvidas nesta etapa, encerrada com a escalada do Pico das Agulhas Negras. “A finalidade deste treinamento é adaptar o aluno para o resgate em ambiente de montanha”, explica o instrutor, Sargento Sampaio Júnior.
Os militares tiveram, ainda, treinamento sobre acesso a aeronaves. Nesse estágio conheceram vários tipos de aviões a fim de aprenderem a identificar os pontos de cortes de bateria e de combustível, além de praticar a retirada das vítimas de dentro da fuselagem.
No mar
A etapa no mar, realizada no Forte Imbuhy, teve oficinas e atividades práticas de mergulho livre, operações com motor de popa e técnicas de resgate na água, chamada kapoff, um método inglês de içamento a partir de helicóptero. A fase teve como ponto alto o exercício de sobrevivência. “O objetivo é proporcionar aos alunos um ambiente exato, como se fosse um naufrágio ou um pouso forçado na água. Nesse treinamento o homem de resgate aqui desenvolve, principalmente, atributos da parte cognitiva. Eles têm a noção exata de como fica a cabeça de uma pessoa numa situação de emergência como essa”, explica o Capitão de Infantaria Igor Duarte Fernandes, da coordenação do curso.
Os alunos concordam. “Eu tenho a certeza de que cada minuto gasto em terra procurando as vítimas é um minuto a mais de desespero para quem está nessa situação. Toda pressa, toda energia despendida para a busca e o resgate de sobreviventes é necessária. Cada minuto naquele bote é um minuto de sofrimento a mais”, avalia o Tenente Aviador Filipe Campos Dutra, piloto de helicópteros H-60 e aluno do Curso SAR 2014.
Na selva
Do mar para a selva, a transição de ambientes levou os militares para o Sul do Pará, na Serra do Cachimbo. No Campo de Provas Brigadeiro Velloso, unidade da Força Aérea destinada a exercícios militares, os alunos tiveram instruções sobre técnicas para subir em árvores, construção de abrigos, armadilhas de caça e pesca e obtenção de fogo. “Além de servir para aquecer e preparar os alimentos, o fogo é fundamental para a sinalização a fim de que os sobreviventes possam ser resgatados. Por isso, esse conhecimento é de extrema importância para o homem de resgate”, afirma o Sargento Roscivaldo Borges Bentes, instrutor.
Os alunos também aprenderam a identificar os diversos frutos da região amazônica. Saber extrair da natureza o alimento pode significar a diferença entre viver ou morrer. O resgateiro precisa ter o conhecimento para identificar as árvores e os frutos comestíveis que vão possibilitar sua sobrevivência. Os militares conheceram, por exemplo, o ananás, uma espécie de miniatura do abacaxi; a bacaba, fruto parecido com o açai; e a sorva, conhecida como o iogurte da selva.
De aluno a instrutor
Quem hoje ministra as instruções também já esteve do outro lado, como aluno. O Sargento Sampaio Júnior, instrutor das atividades de montanha no Curso SAR 2014, atualmente transfere a experiência adquirida no dia a dia como homem de resgate. Sua primeira atuação, ainda como aluno, foi no acidente da aeronave Gol 1907, ocorrido em 2006. De lá para cá participou também em ajudas humanitárias como nas enchentes em Pernambuco, em 2010.
“Lembro que retiramos muitas pessoas de cima dos telhados com guincho. Além disso, também transportamos alimentos e medicamentos para as pessoas que estavam ilhadas”, recorda-se o militar. “Gosto muito da minha atividade. Acho que para ser um resgateiro é preciso, antes de tudo, estar disposto a colocar a sua vida em risco para salvar a de uma pessoa que não conhecemos. A isso, é necessário somar o domínio de várias técnicas, aprendidas no curso. Quando notamos a gratidão da população com o nosso trabalho, ficamos ainda mais animados”, completa.
Eles chegaram lá
Após três meses intensos de treinamentos, vencendo desafios, os alunos chegaram lá. Conquistaram o objetivo de se tornar um homem de resgate. Na cerimônia, na Base Aérea de Campo Grande (BACG), receberam das mãos dos instrutores o tão sonhado gorro laranja. Daqui para frente cada um retorna para suas unidades de origem e estarão aptos para salvar vidas em todos os pontos do País.
O aluno Gabriel Rodrigues de Andrade, Sargento lotado no Esquadrão Gavião, de Natal (RN), é um desses profissionais que a partir de agora terão essa nobre incumbência. “É um sentimento muito bom, uma honra poder trabalhar em uma atividade que salva vidas. O curso despertou mais o meu lado humano e também o espírito de união”, analisa o militar. “Tomara que não precisemos ser acionados, mas se algo acontecer estaremos prontos para cumprir a nossa missão”, finaliza o agora resgateiro Gabriel.