O relacionamento entre os Estados Unidos e o Brasil anda péssimo desde que Edward Snowden, ex-agente da Agência Nacional de Segurança (NSA), revelou documentos que mostravam o Brasil como um dos maiores alvos de espionagem pela agência.
Os abusos incluíam coleta em massa de milhões de registros de e-mail e telefones de brasileiros, escuta das comunicações pessoais da presidente Dilma Rousseff e invasão dos sistemas de computação da estatal brasileira Petrobras, com claros benefícios comerciais para grandes empresas norte-americanas.
Dilma resumiu tudo de forma muito sucinta em um discurso franco nas Nações Unidas em setembro, denunciando “grave violação de direitos humanos e liberdades civis” e “desrespeito à soberania nacional”.
Mas agora, graças a novos documentos revelados por Ryan Devereaux, Glenn Greenwald e Laura Poitras no Intercept, descobrimos que existe outra agência norte-americana trabalhando com a NSA que representa ameaça semelhante: a Agência de Combate às Drogas (DEA).
De acordo com os documentos, não se trata apenas de a NSA ajudar a DEA a capturar traficantes, mas de a DEA ajudar a NSA quanto a seus programas de espionagem não relacionados a drogas.
“A DEA na verdade é uma das maiores operações de espionagem que existe”, disse Finn Selander, antigo agente especial da DEA. “Os países permitem que entremos porque não nos veem como organização de espionagem”.
A ajuda da Agência de Combate às Drogas à NSA em seus programas de espionagem é potencialmente uma violação de confiança ainda mais grave.
Essa é potencialmente uma violação de confiança diplomática ainda mais grave do que a espionagem pela NSA que Dilma denunciou na ONU. Governos permitem o acesso da DEA a recursos policiais, de inteligência e militares –o que pode incluir escutas– como parte de um esforço colaborativo com os Estados Unidos para combater o crime organizado.
Não esperam que, ao fazê-lo, estejam involuntariamente auxiliando a NSA e o enorme aparelho de inteligência norte-americano em espionagem não autorizada, para propósitos políticos ou comerciais.
Enquanto isso, no Brasil, ainda que Dilma tenha recebido o vice-presidente americano, Joe Biden, nesta semana, em visita oficial em Brasília, não parece que receberá um pedido formal de desculpas do presidente Barack Obama nem a garantia de que os abusos não se repetirão no futuro.
Parece que uma melhora no relacionamento terá de esperar até as eleições presidenciais brasileiras em outubro.
Embora os detratores de Dilma digam que isso acontece porque ela está fazendo pose para fins eleitorais, o mais provável é que os cálculos eleitorais estejam acontecendo do outro lado: Washington espera ver um presidente mais subserviente à política externa dos Estados Unidos.
Afinal, o problema do desrespeito norte-americano à soberania da América Latina vai muito mais fundo que os escândalos de espionagem.
Ainda que tenha sido George W. Bush que o expressou de modo mais aberto –os países “estão ou conosco ou contra nós”–, esse continua a ser o princípio que orienta as ações de Washington no continente.