Em 1964, o jovem Jorge Luiz Grappeggia entrou em um avião com a missão de fazer chover em São Paulo. O encarregado de serviços técnicos do Departamento de Águas e Energia Elétrica hoje o servidor mais antigo do Estado, subiu 5 km de altura em uma aeronave de guerra e despejou gelo seco em uma nuvem. Naquele dia um temporal alagou a região do ABC, a eficácia do método hoje é questionada pela Sabesp.
Depoimento…
Arrisquei a vida para fazer chover em São Paulo. Eu tinha 28 anos e trabalhava no Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica) do governo do Estado (onde trabalha até hoje, sendo o servidor mais antigo de SP). Fazia a medição dos rios na região do Médio Tietê, certo dia estava num barco com dois colegas quando a embarcação virou. Um deles não sabia nadar e eu consegui salvá-lo. Acho que isso fez com que eu ficasse com fama de valente lá no departamento…
Fato é que, em seguida, fui incumbido de participar de uma experiência de indução de chuvas: subir num avião e despejar gelo seco na nuvem mais alta e mais densa que houvesse para tentar provocar chuvas que atingissem a represa Billings. Nunca gostei de viajar de avião. Sempre tomo remédios por causa de enjoos. Mas São Paulo vivia uma estiagem muito grave. A represa estava quase seca, e o fornecimento de energia elétrica já sofria racionamento.
A experiência com gelo seco foi feita a pedido do então governador, Adhemar de Barros. Ele queria que algum funcionário do Daee executasse o método do professor Janot Pacheco, engenheiro mineiro que desenvolvera uma forma de semeadura de nuvens. Bastaria despejar, a partir de um avião, gelo seco (dióxido de carbono solidificado) dentro de uma nuvem, provocando chuvas. Janot criou o método, mas quem quase morreu fui eu!
A Kibon doou o gelo seco e a FAB (Força Aérea Brasileira) disponibilizou um B-25. O avião, usado na Segunda Guerra Mundial, já era quase uma sucata voadora. No dia 12 de fevereiro de 1964 o piloto da FAB disse que tinha encontrado as condições perfeitas para fazermos chover na represa Billings. Era uma nuvem do tipo “cumulus nimbus”, muito densa, considerada o terror da aviação [dentro dela, ventos correm de baixo para cima a uma velocidade de até 100 km/h]. Ela estava entre Cumbica e a Lapa, a 5.000 metros de altura, e ventos eram favoráveis.
Perguntei ao piloto se havia paraquedas para o caso de emergência. Ele riu: disse que o avião era tão pesado que se esborracharia contra o solo em poucos segundos caso os motores falhassem. Mesmo sabendo dos riscos, colocamos um tonel com 200 quilos de gelo seco dentro do avião e subimos. A pessoa que se mete nisso tem que correr algum risco, ora bolas! É como quem pratica esporte radical: sabe do perigo e vai em frente.
Decolamos e, não demorou muito, já estávamos entrando na nuvem. De repente, fez-se uma bruta escuridão. Não se enxergava nada. Era raio para tudo o que é lado: clarões pertinho do avião. Senti um dos motores parar. Foi uma turbulência danada. Mas não houve tempo para desespero, só para pensar: desta vez, não escapo.
Nessa confusão, jogamos todo o gelo seco dentro da nuvem de uma vez. Queríamos fugir daquele inferno. De imediato, deu uma chuva violenta. Fiquei surpreso: o processo foi instantâneo. Quando o piloto percebeu o temporal, tratou de cair fora. Saímos daquela escuridão, e achei que já estava tudo bem. Mas aí deu o perereco.
Na hora de pousar em Cumbica, as chuvas eram tão densas que não se enxergava nada. E o avião perdeu o freio. O piloto jogou o trem de pouso contra marcos de iluminação: os pneus estouraram, e o avião deitou o nariz no asfalto, soltando fogo para todo lado, até parar, a 20 metros do final da pista. O camarada deveria ser o melhor piloto da FAB.
Choveu tanto que deu enchente em São Paulo. Transbordou o rio Tamanduateí. Alagou a região do ABC. No dia seguinte, as chuvas estavam em todos os jornais. Arrisquei minha vida para beneficiar milhões de pessoas, e aquele voo ficou marcado na minha alma. Esperava pelo menos um muito obrigado. O próprio governador deveria ter nos agradecido. Mas não o fez. Achei muita falta de educação