Documentos apreendidos em seu esconderijo no Paquistão e liberados ontem pela Casa Branca mostram que o líder da Al-Qaeda era contra a criação de um Estado islâmico naquele momento; saudita tinha preferência por autores críticos à política americana.
“Você deseja executar uma operação suicida?” A pergunta era uma das 34 que deviam ser respondidas por aspirantes a jihadistas, segundo formulário de recrutamento aprendido no bunker onde Osama bin Laden foi morto, divulgado ontem pelos EUA com vários documentos que estavam em seu poder.
Batizado de “A Estante de Bin Laden”, o conjunto revela as preferências literárias do líder da Al-Qaeda, sua preocupação com a segurança e a obsessão em atingir alvos americanos. Em uma das cartas não datada dirigida a um membro da Al-Qaeda, Bin Laden se posicionou contra a ideia de criação de um Estado islâmico, sob o argumento de que uma iniciativa nesse sentido seria derrotada pelos EUA.
A estratégia dos jihadistas, segundo ele, deveria ser exaurir as forças americanas e só então caminhar na direção de um Estado independente. Enquanto a Al-Qaeda se manteve fiel à orientação de seu líder, a ideia de dominação territorial passou a ser defendida pelo Estado Islâmico, organização criada depois da morte de Bin Laden, que hoje controla parcelas da Síria e do Iraque.
Com sua expansão, o grupo se tornou um dos principais rivais da Al-Qaeda na disputa por supremacia entre os extremistas islâmicos. “Temos de continuar a esgotá-los e exauri-los até que estejam tão fracos que não possam derrubar nenhum Estado que estabeleçamos. Esse será o momento de começar a formar um Estado islâmico”, escreveu Bin Laden referindo-se aos americanos, segundo a tradução do texto para o inglês realizada pelo governo dos EUA.
O líder da Al-Qaeda pedia ao destinatário da correspondência, Atiyaal-Rahman, que orientasse um grupo islâmico no Magreb a abandonar a ideia de criar um Estado e dar prioridade ao ataque de embaixadas e empresas de petróleo dos EUA na África. A coleção de livros e textos em inglês mostram o interesse de Bin Laden por estudos de institutos de pesquisa americanos sobre terrorismo e a Al-Qaeda e a preferência por autores críticos da política externa de Washington.
Entre eles, estão o linguista Noam Chomsky e o historiador William Blum. Os 39 livros incluíam ainda Obama’s War (As Guerras de Obama), do ex-jornalista do Washington Post Bob Woodward, e Civil Democratic Islam, de Cheryl Benard. Entre as cartas divulgadas ontem, há várias trocadas entre Bin Laden e seus parentes.
Em correspondência destinada a uma de suas quatro mulheres ele se mostra carinhoso e dá instruções sobre a criação dos filhos, na hipótese de ser assassinado. Bin Laden recomenda que sua mulher se preocupe com as “más companhias” e case as filhas com mujahedin – jihadistas – ou “boas pessoas”.
“Se você quiser casar depois de mim, não tenho objeção, mas quero que você seja minha mulher no paraíso”, acrescentou. As cartas revelam também sua simpatia pela Primavera Árabe, que estava em andamento no momento de sua morte, acreditando que poderia ser o prenúncio de revoluções contra governos “infiéis” e “corruptos”.