Na manhã quente e abafada de uma quarta-feira, dia oito de abril de 2009, o navio porta-contêineres MV Maersk Alabama navegava as águas tranquilas do Golfo de Áden, no Oceano Índico. Construída na China em 1999, a embarcação de bandeira norte-americana flutuava suas 14.120 toneladas (acrescida das 17 mil toneladas de carga) a cerca de 300 milhas (482km) da costa da Somália pela rota marítima conhecida como EAF4 (rota marítima que partindo de Salalah [Omã] passava por Djibuti [República do Djibuti] chegando até Mombaça [Quênia]).
Empilhada junto a uma infinidade de bens de consumo acondicionados em 1.092 contêineres de seis metros de comprimento, parte da carga transportada pelo navio era composta por suprimentos do Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU), destinados a combater a fome em países como Ruanda, Uganda e Congo.
Por volta das 07:00hs um dos 23 tripulantes do navio mercante observou a rápida aproximação de um pequeno barco, distante 3,1 milhas (4,9km) da popa do porta-contêineres a uma velocidade de 20 nós (37km/h). Imediatamente ele informou a ocorrência ao Capitão Richard Phillips, que ordenou à tripulação lançar mão de um conjunto de medidas defensivas antipirataria: a embarcação começou a executar manobras em ziguezague; as mangueiras que circundavam os 155 metros do casco foram abertas (despejando ininterruptamente jatos d`água com 100 libras de pressão por polegada quadrada); as grades que davam acesso ao passadiço e a casa de máquinas foram baixadas e trancadas; o Sistema de Alerta de Segurança do Navio (Ship Security Alert System [SSAS]), que operava via satélite, foi acionado para alertar os Centros de Coordenação de Salvamento sobre a situação de emergência; foi estabelecido contato com o Controle de Operações de Comércio Marítimo do Reino Unido (United Kingdom Maritime Trade Operations [UKMTO]) para reportar a iminência da abordagem de elementos adversos.
A velocidade máxima de 18 nós (33km/h) não foi suficiente para que o navio cargueiro se desvencilhasse do cerco imposto pelos piratas somalis. Em poucos minutos a pequena embarcação posicionou-se a contrabordo do Maersk Alabama enquanto os invasores ascendiam pelos seis metros do costado esquerdo valendo-se de uma rústica escada improvisada. Passados mais alguns minutos, dois dos quatro piratas, portando armas automáticas (fuzis AK-47), forçaram a entrada no passadiço alardeando sua intenção de tomar a embarcação e seus tripulantes como reféns. Considerando a série de eventos ocorridos entre o instante em que o barco pirata foi visualmente identificado, com o momento em que a tripulação foi subjugada, o intervalo de tempo que durou toda a ação não durou mais que 35 minutos.
Por volta das 19:00hs, após um dia estressante de muito calor e tensão, temendo uma ação militar por parte dos EUA e vendo frustrada sua iniciativa de controlar o navio para conduzi-lo até a Somália, uma vez que o controle da embarcação havia sido transferido para a praça de máquinas durante a confusão estabelecida no momento em que ocorria a abordagem, os piratas decidiram abandonar o navio levando trinta mil dólares que permaneciam guardados no cofre para serem usados em caso de necessidade. Intencionados a exigir uma vultuosa soma em dinheiro como forma de resgate, os somalis tomaram o Capitão Phillips como refém, lançando-se ao mar em um dos botes de resgate embarcados no Maersk Alabama.
A incapacidade do governo somali de combater a atividade pirada em suas águas jurisdicionais, levou o Conselho de Segurança da ONU, através da resolução 1.816 de 2008, a liberar as águas sob soberania somali para intervenção de Estados que, cooperando com o governo de transição da Somália, tencionassem reprimir a pirataria na região. Em janeiro de 2009, mediante autoridade estadunidense e em estreita relação com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a Força Tarefa Combinada 151 (Combined Task Force 151 [CTF-151]) foi constituída para combater a pirataria na costa da Somália e no Golfo de Áden.
Afastado cerca de 30 milhas (48km) da costa da Somália, o bote de resgate passou a navegar em direção ao litoral assim que se afastou do Maersk Alabama. Após o lançamento do bote de resgate, tendo embarcado um destacamento de 18 fuzileiros navais (Marines), o Maersk Alabama deixou a área em direção a Mombasa.
Amedrontado no interior do pequeno barco confeccionado de fibra de vidro, medindo 9,28m de comprimento por 3,63 de altura, o capitão Phillips, submetido ao calor sufocante da África Oriental, era constantemente hostilizado pelos quatro piratas somalis. Por volta das 02:00hs do dia nove de abril, o bote de resgate foi iluminado pelos holofotes do Contratorpedeiro USS Bainbridge (DDG-96), um dos navios componentes da CTF-151. Outros dois navios de guerra norte-americanos situados no Golfo de Áden, a Fragata USS Halyburton (FFG-40) e o Navio de Assalto Anfíbio USS Boxer (LHD-4), foram mobilizados para oferecer apoio à operação de resgate. Após estabelecer contato pelo rádio, o capitão Frank Castellano, comandante do Bainbrigde, iniciou as tratativas de negociação valendo-se de um interprete somali. Castellano foi informado das condições do refém, do valor exigido como resgate (dois milhões de dólares), além de obter permissão para enviar mantimentos para o bote de resgate.
Em Washington, o presidente Barack Obama, aconselhado por seu staff, autorizou uma operação militar em pequena escala após avaliar a situação de crise. Na sexta-feira, um destacamento do Grupo de Desenvolvimento de Guerra Especial Naval (Naval Special Warfare Development Group [DEVGRU]), também conhecido como Equipe Seis do SEAL (SEAL Team Six), foi desdobrado de sua base, localizada no estado norte-americano da Virginia para, a costa da Somália. Viajando no compartimento de carga de uma aeronave Boeing C-17, os quadros operacionais do DEVGRU executaram uma infiltração aérea, saltando de paraquedas além da linha do horizonte para não serem observados pelos sequestradores. Pousando na água, eles rapidamente subiram a bordo de duas Lanchas Pneumáticas de Assalto (Rigid Hull Inflatable Boat [RHIB]), também lançadas do C-17, de onde partiram ao encontro do USS Boxer.
Na tentativa de se aproximar da costa somali, os piratas evitaram desembarcar em praias que não estivessem sob o controle do clã ao qual pertenciam, esse esforço adicional esgotou o combustível do bote de resgate deixando-o à deriva. A partir de então, atendendo a uma sugestão do comandante Castellano, os sequestradores concordaram que o bote fosse rebocado pelo Bainbridge. Eles concordaram também que um de seus companheiros fosse levado a bordo do contratorpedeiro para receber cuidados médicos.
No sábado, uma parcela dos SEALs alocados no Boxer (uma equipe de assalto, algumas equipes de atiradores de elite [sniper e observador], além de um componente de comando) foi transferida para o Bainbridge. Assim que desembarcaram no contratorpedeiro, os SEALs assumiram o comando tático da operação. Coube aos snipers a tarefa de revezarem-se em turnos de vigilância no balanço de popa do contratorpedeiro, informando o componente de comando sobre os eventos que ocorriam no bote de salvamento enquanto aguardavam uma eventual ordem de execução de tiro. O grupo que permaneceu no Boxer deveria manter-se em prontidão, preparando-se para uma ação de resgate caso os sequestradores conseguissem desembarcar em território somali.
Devido ao eficiente trabalho interagências, informações relacionadas ao clã de origem e identidade dos sequestradores foram disponibilizadas para os responsáveis pela negociação. Até o levantamento feito pela Agência Central de Inteligência (Central Inteligence Agency) na Somália, os dados relacionados aos piratas eram completamente desconhecidos.
No interior do bote, a tensão aumentava devido ao estresse provocado pelo calor, pelo longo tempo de confinamento, bem como pelo conjunto de medidas psicológicas adotadas pela Marinha com o propósito de minar o ímpeto e a resistência dos sequestradores. À noite, enquanto o bote de resgate era rebocado pelo Bainbridge, o cabo que ligava ambas embarcações era lenta e gradativamente recolhido, a fim de estabelecer uma distância entre as embarcações que favorecesse a ação dos snipers.
Na manhã de domingo, estando o capitão Phillips em situação de perigo iminente, com o bote de resgate a uma distância de 33m da popa do contratorpedeiro, os snipers reportaram condições favoráveis de disparo para o comando da operação. Precisamente às 7:19hs, com o trio de alvos em condição de “luz verde” (condição na qual um alvo encontra-se devidamente enquadrado no retículo de mira do dispositivo ótico de uma arma de precisão, indicando uma situação favorável para que o disparo seja realizado), foram realizados três disparos coordenados (sincronizados) e precisos. Dois dos piratas foram alvejados quando postaram-se junto à popa, do lado de fora do bote de salvamento, enquanto o terceiro recebeu o tiro fatal no momento em que fez aparecer sua cabeça em uma das diminutas janelas de observação distribuídas na parte superior da embarcação. Após cerca de 85 horas mantido em cativeiro sob condições extremas, Richard Phillips estava livre dos sequestradores que o ameaçaram.
Adaptação de artigo publicado por Rodney Alfredo P. Lisboa na Revista Brasileira de Estudos Estratégicos, v. 8, n. 15, jan./jun. 2016, p. 33-56.