A Casa Branca anunciou ontem que vai proibir ou limitar o acesso das polícias a equipamentos militares vendidos ou doados pelo Departamento de Defesa a cidades americanas, parte de um programa iniciado na década de 1990. A ação do governo do presidente Barack Obama visa à desmilitarização das forças de segurança, componente dos abusos praticados no patrulhamento de comunidades pobres e de minorias.
Este foi um dos combustíveis dos violentos protestos contra a brutalidade policial que se espalharam pelo país a partir da morte do jovem negro Michael Brown, em Ferguson, no estado do Missouri, em agosto de 2014. Os limites seguem recomendações da Força-Tarefa para o Policiamento do Século XXI, criada após os distúrbios e que divulgou ontem seu relatório final de 116 páginas.
Foi proibido o repasse pelo Pentágono de uniformes de camuflagem, veículos, embarcações e aeronaves com armas acopladas e vários tipos de blindados e armas de grosso calibre. Serão consideravelmente reduzidos os financiamentos dos departamentos de Segurança Interna e Justiça para esta finalidade. O governo também vai estudar formas de retomar equipamentos já em poder das polícias. A partir de outubro, será restrito o acesso a equipamentos militares como aviões não tripulados e blindados e armamentos mais leves.
Para obtêlos, será preciso comprovar necessidade e treinamento. A Casa Branca exigirá ainda que haja aprovação local para as aquisições, de forma a aumentar transparência e prestação de contas. — O uso de equipamentos militares cria muitas vezes a sensação de que há uma força de ocupação e não uma força que é parte da comunidade. Isso pode alienar, intimidar e passar a mensagem errada — afirmou Obama.
US$ 18 Bilhões em Militarização
Segundo a força-tarefa federal, o uso equivocado de equipamentos militares “significativamente corrói a confiança da comunidade e encoraja táticas e comportamentos inconsistentes com as premissas da aplicação da lei a civis”. O grupo, formado por acadêmicos e agentes, diz ser necessário que as polícias “adotem a mentalidade de guardião em vez de combatente, de forma a construir confiança e legitimidade”.
E recomenda treinamento e novos programas comunitários. Não por acaso, Obama escolheu Camden, cidade de Nova Jersey que está entre as mais pobres e violentas dos EUA, para fazer o anúncio. Sob a liderança de Scott Thomson, chefe da polícia citado constantemente no relatório da força-tarefa, o número de agentes dobrou.
Thomson diversificou racialmente a composição dos patrulheiros, estabeleceu ações de aproximação com a comunidade, como basquete noturno para jovens, policiais voluntários em escolas e no comércio local e atividades em datas como Dia das Mães. Nova Jersey foi ainda o primeiro estado a requerer aprovação para compras de equipamentos militares pela polícia, este ano.
Nas últimas duas décadas, o governo federal gastou US$ 18 bilhões em programas que militarizaram as polícias, por intermédio dos quais as forças de segurança receberam quase cem mil armas, mais de cinco mil blindados do mesmo tipo usado no Iraque e no Afeganistão, 44 mil máscaras para visão noturna, 617 veículos resistentes à explosão de minas e 616 aeronaves, entre outros.
A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês), que publicou extenso trabalho sobre o tema ano passado, vem alertando que as polícias estão se convertendo em batalhões de choque e que os grupos de táticas especiais, frequentemente usando força excessiva e intimidação. — A militarização das polícias vem tendo impacto devastador, com as comunidades de negros e latinos sendo especialmente afetadas pelas táticas e armas de guerra.
O presidente deu um passo fundamental para a reconstrução da confiança entre a polícia e as pessoas a que ela serve — afirmou Kanya Bennet, conselheira da ACLU para o assunto. Ontem, Obama também anunciou que o Departamento de Justiça terá US$ 163 milhões para programas municipais que incentivem a adoção de novas práticas pelas polícias, como o uso de câmeras acopladas ao uniforme dos agentes.
Analistas, porém, observam que a iniciativa é insuficiente. — O programa da Defesa é simbolicamente importante, mas o que é preciso é enfrentar 25 anos de militarização da cultura policial. Enquanto houver demanda por equipamentos pesados, com a indústria privada que existe, não se vai resolver o problema — avaliou Peter Kraska, diretor da Escola de Estudos da Justiça na Universidade do Kentucky.
FONTE : O Globo