Símbolo dos protestos em São Paulo, Rafael Lusvarghi, 29, fala sobre experiência no Leste ucraniano à Gazeta Russa. Conhecido pelo codinome “Cachaça” entre separatistas, brasileiro engrossa suas tropas com outros estrangeiros no Leste ucraniano.
O ex-policial Rafael Lusvarghi, 29 anos, virou símbolo dos protestos em São Paulo ao ser fotografado de peito aberto levando balas de borracha sem se esquivar da polícia. Com cabelos longos e olhos claros, a imagem captada pelos fotógrafos remetiam a de um Jesus em meio aos fariseus. Rafael fez parte da corporação de 2005 a 2010, segundo informou àGazeta Russa.
Foi preso, em junho, suspeito de depredação, e indiciado. Mas resolveu deixar tudo para trás e partir para o Leste ucraniano, a região pró-Rússia conhecida como “Novorôssia”. Em Lugansk, cidade dominada pelos separatistas, o brasileiro agora engrossa as fileiras de combatentes pró-Rússia desde 20 de setembro.
Sua experiência anterior, que inclui períodos na Legião Estrangeira da França, nas Farc colombianas e até estudo superior no sul da Rússia, o levaram a ser o primeiro brasileiro admitido pelos separatistas. Ele falou sobre a experiência diretamente de Lugansk à Gazeta Russa:
Gazeta Russa: Rafael, quando você chegou a Lugansk e como foram as negociações para que você se unisse aos separatistas?
Rafael Lusvarghi: Primeiro, os separatistas são os responsáveis pela junta de Kiev, foram eles que quiseram romper os vínculos com a Rússia em detrimento de toda a população do Donbass, negando-lhes sua história, cultura, idioma e mesmo vender suas terras a oligarcas do Ocidente.
Cheguei em Lugansk no dia 20, e não ouve “negociação”. Através de amigos mais envolvidos em política que eu, e meus amigos da juventude euroasiática, soube do recrutamento, e sendo sempre pró-russófilos, seguidor da quarta teoria política de Aleksandr Dúguin, e contra o imperialismo atlantista (EUA e UE) ocidental, decidi vir defender o povo de Novorôssia. Acertei minha vinda ainda em junho, para o dia 28. Mas, por contratempos no Brasil, só pude me apresentar para servir dia 20 de setembro.
GR: Você havia dito que estava esperando por conversações com Dúguin para acertar sua ida. Que papel ele tem no leste ucraniano?
Dúguin joga um grande papel como filósofo político e nos dá suporte direto dessa forma, além de exercer pressão política para que o povo de Donbass receba ajuda humanitária. Por essas tarefas, ele tem contatos que me ajudaram a saber mais sobre a situação e como atingir meus objetivos.
GR: Você pode ser mais específico? Ele te deu contatos de combatentes? De líderes guerrilheiros?
Não. Ele me deu contatos políticos. Ele não tem contato com as Forças Armadas daqui. Mas, como a maioria de nós em Novorôssia somos grandes admiradores do trabalho de Dúguin e de sua preocupação com os civis daqui, facilitou muito encontrar contatos após ter conversado com ele.
GR: Há outros estrangeiros aí, como a própria mídia estatal russa divulga. Entre eles, caucasianos. Quais outros estrangeiros há por aí? Há mais alguém da América Latina?
Há mais estrangeiros sim. Há franceses, sérvios, espanhóis, noruegueses, italianos, brasileiros e um colombiano.
GR: Você disse brasileiros? No plural? Quantos são? Desde quando estão aí? De onde vêm?
Sou só eu por hora, mas já tenho confirmação de que alguns estão a caminho. Por ora é só o que sei, já que não trato da área de recrutamento…
GR: Eles tiveram sua ajuda para ingressar nas fileiras de combate?
No sentido de passar algumas dicas e informações, como o que trazer, quanto gastei.. Enfim, compartilhei minha experiência. Mas quem organizou documentação, onde encontrar, o que fazer, foi a “Unité Continentale” e a Frente Brasilieira de Solidariedade com a Ucrânia.
GR: Aproveitando que você tocou no assunto, quanto gastou para entrar nessa jogada? Está ganhando alguma coisa para participar aí?
Não, não tem nenhum tipo de retorno ou ganho financeiro aqui. Foi meu irmão mais novo, Fernando Marques Lusvarghi, que custeou meus gastos pra vir para cá. Foram 1.100 dólares de passagem, mais 200 que ele me deu para eu me virar até chegar ao batalhão. Somos voluntários no sentido mais real da palavra. Só recebemos alimentação, fardamento e equipamento.
GR: E há alguma ação ocorrendo no momento? Porque, afinal, você chegou logo após um cessar-fogo…
No momento, com a minha unidade não há [ação]. Estamos encarregados do treinamento dos recém-chegados que não têm experiência militar, bem como cuidando do entrosamento entre as diferentes técnicas. Aqui só acontece de a artilharia ucraniana disparar contra nós. Mas têm caído longe os disparos, algo como a 20 km daqui. Às vezes mais longe, às vezes mais perto. Porém, em outras partes do front, a ação tem corrido de forma brutal. Por exemplo, no aeroporto de Donetsk, que as forças de Novorôssia capturaram ontem [2 de outubro].
GR: E vocês não reagem? Pretendem reagir quando?
Não depende de mim… Não faço parte do QG… Mas há rumores que partimos pro front em breve.
GR: Rafael, você foi à Rússia pela primeira vez há uns três anos? Foi para estudar medicina por meio de uma agência de intercâmbios, certo? Por que largou? Por que voltou ao Brasil?
Eu fui à Rússia em 2010 pra aprender o idioma e tentar ingressar no Exército. Ir pra aprender só o idioma ou fazer um outro curso sairia mais ou menos a mesma coisa. Decidi fazer medicina. Achei muito difícil e não era minha cara. O curso, porém, era excelente, assim como a universidade.
Não consegui nem um, nem outro – Exército e curso de medicina -, e acabei indo trabalhar em fazendas pela Europa. Quando venceu o visto, retornei ao Brasil.
GR: E a experiência na Europa foi muito ruim? O que você fazia nas fazendas?
O trabalho e o contato em si com meus chefes foram ótimos. Fazia de tudo, desde treinar cavalos, a construção, trato de gado leiteiro e administração. Fui muito bem tratado e, especialmente na Dinamarca, meu trabalho foi muito apreciado, e mesmo hoje recebo convites para visitá-los.
Porém, a forma como os governos europeus agem… A UE é uma ditadura de máfias acabando com a cultura local em detrimento das forças imperialistas e oligarquias americanas.
GR: Em 2012, você me disse que tinha discussões com alguns russos por sua identificação com o fascismo, e devido também a algumas fotos suas nas redes sociais com uniforme da Alemanha nazista. Sua ideologia mudou? Como você poderia descrevê-la hoje e antes?
Mudou sim. Se você se lembra bem, eu disse que não era nazista, apenas que tive alguns parentes distantes que lutaram pelo eixo, e que não via vergonha nenhuma nisso. Eu sempre fui uma pessoa mais prática que teórica, tendo me identificado muito com o estalinismo. Porém, continuando meus estudos por conta própria, hoje tudo isso está pra trás e, definitivamente, literalmente, luto pela Quarta Teoria Política de Dúguin.
GR: Como se deu essa mudança? Você poderia contar um pouco mais?
Simples. Apesar de não ser um formador de opinião, nem um grande entusiasta de teorias políticas, não deixo de me informar.
Há muito tempo, já tinha conversado com vários grupos que sabem que a divisão entre esquerda e direita é algo ultrapassado, do século passado. Vivemos em um mundo multipolar, onde os povos têm, especialmente na Europa, lutado por suas particularidades culturais e étnicas, e em muitos locais, como na Novorôssia, por valores morais, que o Ocidente tem abandonado.
Uma coisa levou à outra. Na Rússia, ainda tive contato com a juventude eurasiana e me identifiquei. Li mais sobre o Dúguin e suas ideias, e me senti muito atraído. Uma vez no Brasil, tive o prazer de me manter em contato com brasileiros de todo o país, e teóricos como Flavia Virginia, que me aprofundaram mais no assunto.
GR: A qual tipo de valores morais você se refere? Poderia especificar?
Valores morais como família, honra, respeito, coragem, coletivo antes do individualismo, de ordem mais tradicional e social. Diferente do que tem acontecido no Ocidente, onde tudo gira em torno do dinheiro, a questão do “se curvar ao cordeiro de ouro”.
GR: O que você quer dizer mais especificamente com “ordem tradicional” e família?
Família e ordem tradicional quer dizer a ordem natural das coisas. Uma famlia é composta de homem, mulher para reprodução. Casal, ou qualquer outra coisa, o que as pessoas fazem na sua vida privada, repetindo meu comandante aqui do meu lado, “nous, on s´en branle”, ou seja, “não nos importamos”.