Por Humberto Saccomandi e Virgínia Silveira
A negativa da Embraer de agendar uma visita de uma autoridade russa a suas instalações está gerando um mal-estar entre os governos da Rússia e do Brasil. O russo está sob sanção dos EUA, e recebê-lo poderia indispor a empresa brasileiro com o governo americano.
O vice-premiê Dmitry Rogozin, encarregado do setor de defesa e aeroespacial na Rússia, chega ao Brasil hoje. Em Brasília, ele encontrará o vice-presidente, Michel Temer, e o ministro da Defesa, Celso Amorim. E irá hoje mesmo a São José dos Campos, para se reunir com empresas do setor de defesa. Rogozin havia pedido para visitar a Embraer. Não está claro se ele tinha algum interesse específico.
A Embraer, porém, respondeu que não poderia agendar a visita, pois seu presidente já tinha compromissos assumidos previamente. E não propôs que o russo fosse recebido por outra pessoa.
A negativa incomodou muito o governo da Rússia, que é parceira do Brasil no grupo dos Brics. Segundo o Valor apurou, o Ministério das Relações Exteriores russo chamou o embaixador brasileiro em Moscou para expressar insatisfação com o tratamento dado a Rogozin pela Embraer e pedir que o governo intercedesse pela visita.
Questionado, o Itamaraty disse que não houve uma queixa formal da Rússia em relação ao assunto. E informou que o governo brasileiro encaminhou à Embraer a solicitação do encontro. Consultada ontem pelo Valor, a Embraer disse que não iria se pronunciar sobre essa questão.
A recusa da empresa brasileira pode estar ligada ao fato de Rogozin estar na lista de autoridades russas sob sanções do Ocidente, impostas após a intervenção da Rússia na Ucrânia.
As sanções atingem empresas estratégicas e autoridades russas consideradas próximas do presidente Vladimir Putin. Rogozin estava na primeira lista de sanções, anunciadas em março pelo presidente Barack Obama e que vetam a entrada dele nos EUA e congelam eventuais ativos que ele tenha no país. Essas sanções foram mais tarde adotadas pela União Europeia e por outros países ocidentais.
Uma visita de Rogozin à Embraer poderia ser mal vista pelo governo americano. Os EUA são maior mercado da fabricante brasileira, com o qual ela vem desenvolvendo importantes laços na sensível área de defesa.
A Embraer era a primeira empresa a ser visitada pela comitiva do vice-premiê russo. Segundo o Valor apurou, a fabricante brasileira foi uma das empresas selecionadas para o processo de nacionalização dos sistemas de baterias antiaéreas Pantsir e Igla, que a Rússia fornecerá para o Brasil. O contrato é estimado em R$ 2,5 bilhões. A participação da Embraer se dará por meio da sua coligada Bradar, fabricante de radares.
O diretor da Odebrecht Defesa e Tecnologia, André Luiz Paraná, disse que a comitiva russa visitará a Mectron, do grupo ODT, na manhã de hoje. A Mectron, segundo o executivo, também participará do projeto das baterias antiaéreas.
As sanções já criaram constrangimento para Rogozin. Em maio, ele esteve na região separatista de Trans-Dniester, que fica na Moldávia, mas que de fato responde para Moscou. Segundo tweets postados por Rogozin, a Romênia (membro da UE e da Otan) negou passagem ao avião que o levava a Moscou. Ele então twitou uma ameaça velada.
“A pedido dos EUA, a Romênia fechou o seu espaço aéreo para o meu avião”, escreveu. “A Ucrânia não permite que eu passe novamente. Da próxima vez vou voar a bordo de um TU-160.” O TU-160 é um bombardeio estratégico que pode levar armas nucleares. O governo da Romênia protestou.