Com o domínio quase completo do mercado de aviões regionais na China, a Embraer deve ganhar um novo concorrente a partir do segundo semestre. A fabricante chinesa Commercial Aircraft Corporation China (Comac) fará sua estreia em voos comerciais com o modelo ARJ21-700. É um aparelho que vai disputar clientes chineses com os aviões da companhia brasileira que comportam até 130 passageiros. “Sem dúvida que esse avião pode concorrer conosco, principalmente dentro da China”, disse em entrevista ao Valor o presidente da Embraer China, Guan Dongyuan.
O ARJ21-700 já está voando no país, mas ainda não pode ser vendido nos EUA e na Europa, e tampouco cobrir rotas comerciais em aeroportos chineses, segundo Guan. Com 15 anos de operação no mercado chinês, a Embraer tem cerca de 80% do segmento de aviões para voos comerciais com até 130 lugares no país, justamente onde a companhia chinesa passará a atuar com o novo modelo.
A Embraer China, que iniciou suas operações em 2000, já entregou 154 aviões para clientes no país. Desse total, 28 foram de jatos executivos. Os demais, para voos comerciais. Alguns de seus principais compradores são Tianjin Airlines, a China Southern, que é a maior da China, e a HeBei Airlines.
A anunciada chegada do jato chinês se dará num momento em que a economia local cresce num ritmo um pouco mais lento do que anos atrás. Isso não impede, no entanto, o mercado aeronáutico continuar bastante demandante, diz Guan. A Embraer vê o seguinte o cenário para o mercado de aviões no país: nos próximos 20 anos, a demanda por aviões comerciais será de 1.020 unidades. Uma média de 50 por ano.
Guan aposta que a empresa brasileira terá muito espaço para avançar em seu volume de vendas em função dessa disposição que se espera nos próximos anos. “É por isso que estamos aqui.” A previsão já leva em conta uma restrição de algo básico atualmente no negócio da aviação na China: gente capacitada para trabalhar e que fale inglês. “A demanda por pilotos, engenheiros, mecânicos, gente especializada em geral nesse setor, é enorme. Os recursos humanos estão bastante escassos nesse mercado.”
Como o número de profissionais é menor do que o mercado teria condições de absorver, empresas aéreas se veem muitas vezes limitadas a ampliar o número de voos e rotas, o que, por consequência, afeta a expansão mais acelerada das encomendas aos fabricantes de aviões, afirma Guan. Mas ele procura mostrar confiança ao falar da condição privilegiada de liderança da Embraer no segmento de jatos comerciais. Procura mostrar otimismo também ao falar da futura nova concorrência que deve ter em breve.
“A Embraer está acostumada a concorrência ao longo de sua história. Enfrenta fabricantes do Canadá, Alemanha, Holanda. Esse setor, como todos, sempre tem concorrência. Para nós, o principal é prover melhor produtor e melhor serviço” A Embraer China tem cerca de 50 funcionários na área técnica que estão dedicados a dar suporte a seus clientes. Não há plano em curso para aumentar agora essa estrutura, disse Guan.
“Não. Isso depende do tamanho da frota”. O total da companhia na China é de 80 funcionários. Há mais 200 trabalhando em companhias que têm parceiras com a Embraer no país. Até 2020, a empresa se programa para entregar 62 aviões na China. Somados aos 154 já entregues, a Embraer China recebeu 216 encomendas, o equivalente a US$ 9 bilhões. Sua operação no país começou em 2015. Todos os aviões por entregar são jatos executivos.
Essa é uma categoria em que a Embraer ocupa um espaço bem menor no mercado chinês do que o que tem no mercado de aviões maiores, para voos comerciais regionais. A empresa teve no ano passado uma fatia nesse segmento 10% na China. O mercado de jatos executivos atende a empresas de táxi aéreo e a empresários que querem e precisam voar na hora que bem entenderem para, virtualmente, qualquer lugar. “Um dos nossos clientes de jatos executivos é, em geral, o empresário privado, dono de empresa. Muitas vezes empresa com capital aberto”, diz Guan.
Mesmo com a economia se acomodando a um ritmo um pouco mais lento que o da década passada, esse segmento segue intocado. “Isso não afeta a aquisição de aviões. Tem muitas empresas fazendo oferta pública de ações na bolsa e os empresários se transformando em bilionários do dia para noite.” Quanto às empresas de táxi aéreo, uma delas, a Boha Leasing participa, com o BNDES, Export-Import Bank e Embraer, de uma negociação de financiamento de US$ 1,25 bilhão. Esse acordo, ainda em fase de costura, foi anunciado na semana passada durante visita do primeiro-ministro da China, Li Kieqiang, ao Brasil.
Financiamentos para operações que envolvem Embraer China têm vindo da própria China. “Em termos de recursos financeiros, tudo tem vindo da China. A China é rica e tem reservas estrangeiras. Muitos bancos oferecem financiamentos”, afirma Guan. A Embraer fabrica aviões executivos na China. E não há, no momento, planos de ampliar sua produção aqui. Dos 156 aviões entregues desde 2000, 44 saíram nas linhas de montagem da companhia em solo chinês.
“Nesse momento, não. Não temos nenhuma intenção de aumentar a produção”, disse Guan ao ser perguntado sobre um dos modelos “made in China”, o Legacy 650. “Nenhum outro modelo que sai daqui deve ter uma produção aumentada no curto prazo. Há alguns obstáculos para produzirmos na China por causa da estrutura de impostos chinesa”, disse o executivo. “O custo para produzir na China é mais alto do que produzir no Brasil”, acrescentou. Guan classifica esses impostos altos pagos pela companhia brasileira como um desafio para a produção local de aviões. “Mas outro grande desafio é, sem dúvida, que estamos lidando cada vez mais com concorrência, especialmente de produtos locais”.