Ele é parecido com um morcego, embora seu nome oficial seja eBee (de abelha eletrônica, em inglês). Pesa menos de um quilo, voa a uma velocidade de 45 quilômetros por horas, tem uma câmera acoplada de 16 megapixels e autonomia de 45 minutos. Os funcionários da fabricante de celulose Eldorado, em Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, no entanto, o apelidaram de “dedo-duro”. A alcunha faz sentido.
Esse pequeno robô voador, fabricado pela suíça senseFly, sobrevoa as plantações de eucaliptos da companhia da holding J&F, da família Batista, dona também do frigorífico JBS.
Sua missão: encontrar mudas que não foram plantadas da forma correta. Se localizadas a tempo, dá tempo de replantá-las e evitar a perda. Daí o apelido. Com mais de 160 mil hectares de área plantada de eucaliptos, matéria-prima para fazer a celulose, os drones são a melhor forma para monitorar essa gigantesca área, que equivale a 160 mil campos de futebol. “Os drones são uma grande inovação que vai mudar o panorama dos negócios”, afirma José Carlos Grubisich, presidente da Eldorado, dono de três drones e com planos de adquirir mais três neste ano. É bom levar a sério as palavras de Grubisich.
Surgidos como poderosas e polêmicas armas de guerra, esses veículos aéreos não tripulados estão invadindo o universo empresarial e vão influenciar diversos setores, do comércio global à logística, passando pela área de prestação de serviços. De uma forma ou de outra, todos eles vão ser inexoravelmente influenciados pelos drones. As cifras movimentadas pelos drones civis já são bilionárias. No ano passado, foram US$ 5,2 bilhões em todo o mundo, segundo cálculos da consultoria americana Teal Group, especializada na indústria aeroespecial. Em dez anos, esse mercado deve mais do que dobrar, atingindo US$ 11,2 bilhões.
Muitos analistas acreditam que se trata de uma previsão conservadora, dado o número de projetos que devem começar a sair do papel a partir de agora. Mais: lembram que esses dados não levam em conta a inexistência, ainda, de regulamentação dessa atividade, o que se constitui numa barreira para uma expansão maior (de forma resumida, é preciso definir o espectro de frequências para operar essas máquinas voadoras e estabelecer regras de ocupação do espaço aéreo). Só no mercado americano, por exemplo, há um potencial anual de US$ 10 bilhões adicionais, caso haja uma legislação de uso para os drones civis, de acordo com a Auvsi, associação americana que representa os fabricantes desses aviões.
Nada disso, no entanto, parece arrefecer o apetite das empresas. Assim como a Eldorado, muitas delas já estão usando drones em suas operações ou trabalham com projetos-pilotos inovadores, que prometem transformar para sempre as paisagens das grandes cidades e das áreas rurais. É o caso da companhia de geração de energia AES Tietê, de São Paulo, que usa o mesmo drone da Eldorado para monitorar suas redes de transmissão. “Antes, um relatório de ocupação irregular demorava uma semana para ser concluído”, diz Ítalo Freitas Filho, diretor-geral de geração da AES Tietê, que investiu R$ 200 mil em um drone e planeja comprar mais um. “Agora bastam dois dias.”
A agricultura vem liderando a adoção dos drones no Brasil. Estima-se que pelo menos 200 deles estejam sobrevoando as plantações. “Os drones são os olhos dos agricultores na lavoura”, afirma Lúcio André de Castro Jorge, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), de São Carlos, no interior paulista.“Eles são uma ferramenta essencial para a agricultura de precisão.” O caso da Eldorado é mais uma vez ilustrativo. A empresa utiliza as fotografias feitas pela eBee para fazer uma avaliação do plantio. “Dá para comparar as imagens captadas em diferentes períodos e acompanhar o desenvolvimento da floresta”, afirma Carlos Justo, gerente de planejamento da Eldorado.
Mundialmente, os projetos com drones são mais ousados, como se tivessem saído de livros de ficção científica. O empresário americano Jeff Bezos está na linha de frente dessa área, para variar. Bezos já revolucionou o comércio mundial com a Amazon.com, virou de cabeça para baixo o mercado de livros, com o seu e-book Kindle, e foi um dos primeiros a investir em serviços de computação em nuvem. Agora, ele quer reinventar o setor de logística. Os drones são parte essencial de seu plano. No fim do ano passado, Bezos revelou que poderia começar a entregar produtos de até 2,2 kg por meio de drones – peso de 86% das encomendas da Amazon – a partir de 2015.
O serviço já tem até nome: Prime Air. O “carteiro voador” proposto pelo lendário empresário transportaria mercadorias em até meia hora através de um quadricóptero que deixa os pacotes na porta das casas de forma segura e veloz. O projeto de Bezos está longe de parecer um delírio típico de um visionário – muitas de suas “alucinações” viraram negócios bilionários, como comprova a trajetória da empresa de Seattle, que em apenas duas décadas se transformou na maior varejista virtual do mundo, com receita de US$ 61 bilhões. A área de logística, de fato, é uma das que mais devem se transformar com os drones.
A empresa alemã de entregas DHL, controlada pelo Deutsche Post, o maior grupo de logística do planeta, também anunciou que pesquisa o uso de drones para entregas urgentes, como remédios para localidades distantes de centros urbanos. Um pequeno quadricóptero amarelo entregou, no fim do ano passado, um pacote com fármacos de um extremo ao outro da cidade de Bonn, onde está localizada sua sede. A rede de pizzaria americana Domino’s testa também entrega de pizzas no Reino Unido. Chamado de Domicopter, o robô aéreo foi criado e operado pela empresa AeroSight e age como um motoboy voador. Além de sua eficácia nos serviços prestados, os drones estão se mostrando uma eficiente ferramenta de marketing.
Quem descobriu isso foi a indústria imobiliária americana, que passou a usar as aeronaves não tripuladas para fazer imagens impossíveis de serem registradas mesmo com helicópteros. “Imóveis de vários milhões de dólares exigem táticas de marketing dignas da Avenida Madison”, afirmou Matthew Leone, diretor de marketing da imobiliária Halstead Property, em entrevista ao jornal The New York Times, referindo à tradicional avenida que reúne as principais agências de publicidade dos Estados Unidos, em Manhattan. A Halstead Property usou um drone para filmar uma casa avaliada em US$ 7,6 milhões, cujo vídeo já foi visto meio milhão de vezes no YouTube.
Uma nova indústria
Os drones criam a oportunidade para o desenvolvimento de um novo mercado. Embora tenham surgido como uma máquina de guerra (leia em “Máquinas de guerra” ao final da reportagem), eles são primos de primeiro grau do aeromodelismo, prática de pilotar miniaturas de aviões através de controle remoto. Ao redor do mundo, há uma série de startups que estão se aproveitando desse boom de veículos não tripulados de uso de civil. A suíça senseFly, dona do eBee, usado pela Eldorado e pela AES Tietê, por exemplo, tem apenas dois anos de vida. Nenhuma empresa, no entanto, conseguir atingir o status da chinesa DJI, que desenvolveu o modelo Phanton II, o mais barato do mundo, vendido por apenas US$ 1,2 mil.
Seus drones foram comparados pelo presidente do conselho de administração do fundo de investimento americano Sequoia, Michael Moritz, ao lendário Apple II. Apesar de ser o segundo de sua geração, ele foi de fato o primeiro computador pessoal da história – o Apple I precisava ser montado, coisa que só os nerds conseguiam. É bom prestar atenção quando Moritz está falando. O Sequoia foi um dos primeiros fundos a investir na Apple e no Google, dois gigantes da área de tecnologia americana, quando ainda não passavam de ideias interessantes. O Brasil não está fora dessa onda de fabricantes de drones.
A Embraer, terceira maior fabricante mundial de aviões comerciais, entrou nessa área com o projeto de um drone militar. Por enquanto, são startups de São Carlos, no interior de São Paulo, e de Porto Alegre que lideram a produção desses robôs voadores autônomos. A XMobots, criada em São Carlos, em 2007, fabrica três modelos de drones, dois deles voltados para o segmento agrícola e um de monitoramento de linhas de energia, com um câmera aprimorada. “A indústria aeronáutica não muda do dia para a noite”, diz Giovani Amianti, fundador da XMobots. “Mas o mercado de drones vai crescer naturalmente.” Conterrânea da XMobots, a AGX foi comprada no ano passado pela Transpreserv, empresa mineira especializada em levantamentos topográficos de áreas rurais.
Máquinas de guerra
O garoto Tariq Aziz, 16 anos, fã de futebol, assistiu, em 2011, a uma conferência antidrones em Islamabad, no Paquistão. Ele estava preocupado com as mortes de civis provocadas por ataques de drones na região onde morava, na fronteira entre Paquistão e Afeganistão. Alguns dias depois, um avião não tripulado americano o matou. A história de Aziz e de outras dezenas de vítimas está retratada no filme Unmanned: America’s Drone War (em tradução literal, Não Pilotado: Guerra dos Drones da América), do documentarista Robert Greenwald.
ImagemO governo americano não divulga dados oficiais de mortes provocadas por drones. O senador republicano Lindsey Graham, em fevereiro de 2013, calculou que foram 4.700 vítimas. Drones viraram uma espécie de assinatura das táticas bélicas da administração do presidente Barack Obama. Os robôs aéreos permitem que os militares detectem e destruam alvos a quilômetros de distância. Os EUA contam com o superdrone Reaper, fabricado pela General Atomics. Com peso de mais de quatro toneladas, o avião é capaz de carregar e disparar quatro mísseis AGM-114 Hellfire. No Brasil, a FAB adquiriu drones de Israel em 2010. Mas a estratégia é desenvolver tecnologia própria e quem quer tomar a frente nesse processo é a Embraer.
Em janeiro do ano passado, em associação com a Avibras, sua vizinha do setor aeroespacial, de São José dos Campos, a empresa criou a Harpia Sistemas, que desenvolve o drone batizado de Falcão para cumprir missões de inteligência e vigilância. O Falcão tem sido usado como ponto de partida para estudos que incluem sensores, sistema de comunicação e uma estação de controle no solo. O drone da Embraer pesa 630 quilos e conta com autonomia de 16 horas de voo. É produzido em fibra de carbono e tem envergadura de 11 metros. Ele pode detectar uma pessoa a até 15 quilômetros de distância. Por enquanto, nada de mísseis.